Imagem do tiro contra Lula

O leitor distraído teria se assustado com a capa do Jornal Folha de S. Paulo, edição impressa, desta quinta-feira (19), destacando no alto da página presidente Lula por traz de uma vidraça com buraco de bala em direção ao peito, sinalizando ter sido atingido fatalmente.

O presidente, com cabeça baixa, leva a pressupor a captura exata do momento da ação do atirador. Efetivamente, o cenário é real, quando bolsonaristas radicais invadem construções dos três poderes em Brasília, mas a cena na fotografia resulta de uma montagem, para uma narrativa que leva a diversidade de entendimentos.

Não é necessário dizer que o Brasil levou um tiro, como consequência de uma espécie de ação terrorista contra a democracia, quando ocorre eleições e o adversário radicalizado em um único resultado, a sua vitória, não reconhece a derrota e sucesso do seu oponente, com votos depositados nas urnas distribuídas em todos os rincões brasileiros.

O presidente, por sua vez, sente a força da violência de uma minoria radicalizada que pretende à bala derrubar o eleito, em nome de um conservadorismo às antigas, afastando-se da democracia e patriotismo, que tentam convencer/impor com armas em punho.

A destruição do país parece que é o menos que importa, mas a mancha no símbolos do Estado brasileiro, como se o movimento resultasse em ação popular em favor da democracia. De qual democracia, real ou ficcional?

As duas imagens sobrepostas com produção feita pela jornalista da Folha, Gabriela Biló, resulta em realidade e ficção para diversas intepretações, a depender da posição política do leitor.

Realidade pelo fato de serem duas imagens que foram captadas, afinal existe objetos, a vidraça e o presidente. Ficção pelo fato de não estarem na mesma relação, presidente e vidraça, o que exigiu a produção por mais simples que fosse. No entanto, há uma narrativa construída habilmente que é informação – ou não? -, numa página mais simbólica do jornal, a capa. O primeiro contato do leitor com o veículo.

Efetivamente, o governo criticou a imagem, mas a jornalista se defende no dia seguinte nas páginas da própria Folha, com o argumento de que sua narrativa não deve estar na mesma perspectiva do leitor ou seus críticos, porém gerando debate público.

Ademais, avalia Biló, a crítica é importante no instante que permite a diversidade de opiniões, favoráveis e/ou contra a imagem demonstrada, considerando o ponto de vista do fotógrafo, que não somente capta uma imagem, congelando dois instantes, mas ordena uma narrativa.

Pontos colocados, o exemplo da imagem emblemática serve ao leitor atento como análise da realidade que estamos pensando, vivendo. Talvez a razão pelo qual o conservadorismo radical consiga pelo mundo o sucesso de convencer/impor, no uso de redes sociais, com eficácia por meio de narrativas milhares de pessoas, muitas na sua inocência da realidade presente do que vê pelo celular.

A sua existência, no entanto, emerge apenas a partir de produções, cujo objetivo obstinado, por vezes terrorista, é o poder político e a plena felicidade eternizada, de poucos “determinados” à guerra pela riqueza pública.

Balas podem ser doces para uma minoria radicalizada pela tradição da fortuna, mas ao mesmo tempo letais para o conjunto da população, principalmente aqueles vivos que dependem do Estado para serem humanos.

Autor: Antonio S. Silva

Jornalista, doutor pela UnB e professor da (UFMT, com mestrado pela PUC/SP e Docente no curso de Jornalismo da UFMT. Em essência, acreditamos que é necessário o diálogo para construirmos, democraticamente, um país melhor.

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